5. A IA no duplo diamante. E como ela acelera cada etapa
- suzanahrsouza
- há 1 dia
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Se o duplo diamante nos deu um processo claro para investigar, definir, criar e testar soluções, a IA entra como um multiplicador de capacidade.
Ela não substitui nenhuma decisão editorial, mas ajuda a chegar mais rápido em etapas que antes dependiam de muitas horas de esforço manual — especialmente em equipes pequenas, com acúmulo de funções e pouco tempo disponível.
A lógica central continua sendo a mesma: valor para o usuário no centro, responsabilidade editorial como base e IA como ferramenta de apoio.
Definição de princípios para o uso ético da IA
Como vimos nas pesquisas iniciais do Krisis Lab, o uso de IA já é uma realidade nas redações e acontece de forma espontânea, descentralizada e, muitas vezes, sem diretrizes claras. Esse movimento traz oportunidades importantes, mas também aumenta a responsabilidade das organizações em definir como, quando e por quê a IA deve ser utilizada.
Assim como cada redação tem sua própria linha editorial, cultura de trabalho e modelo de operação, também é necessário construir políticas específicas de uso de IA que reflitam seus valores, seus limites e seus contextos.
Incentivamos que cada organização desenvolva seus próprios parâmetros transparentes, revisáveis e adaptados à sua realidade.
Diversos veículos já criaram guias públicos que podem servir de referência:
Núcleo Jornalismo: publicou um guia em maio de 2023 com limites de usos permitidos na organização
Estadão: lançou uma política institucional de uso de IA em novembro de 2023, na qual estabelece regras como revisão obrigatória por humanos antes da publicação de qualquer texto gerado com IA
Associated Press: o guia da agência de notícias estabelece a proibição do uso do ChatGPT para criação de conteúdo publicável e define que o jornalista segue responsável pela precisão e imparcialidade das informações
The New York Times: o jornal norte-americano formalizou em maio de 2024 seus princípios de IA generativa. O texto estabelece que qualquer uso de IA deve começar com informações verificadas pelos repórteres e será revisado por editores humanos
Esses documentos mostram caminhos possíveis. Todos eles têm em comum a premissa de que a IA não substitui responsabilidade editorial, nem a verificação humana.
No contexto específico do desenvolvimento de produto no jornalismo, também é importante partir dessa premissa e criar parâmetros para a utilização da IA.
Abaixo, apresentamos uma sugestão inicial de princípios gerais, que podem servir como ponto de partida para a construção de políticas específicas em cada redação:

Esses princípios funcionam como um convite para que cada redação transforme essas diretrizes em políticas vivas, revisadas regularmente e alinhadas à sua missão editorial.
Aplicando a IA
Feita a reflexão sobre a importância da criação de uma política de IA, vamos ao mapeamento sobre onde a IA faz diferença no desenvolvimento de produto no jornalismo e como pode ajudar em cada fase do framework.
Fase zero: stakeholders e contexto
Como a IA ajuda
Organiza e sintetiza informações sobre stakeholders coletadas em pesquisas, documentos ou entrevistas internas.
Cria resumos e mapas iniciais de influência (ex.: quem toma decisões, quem é afetado, quem precisa ser alinhado).
Por que é útil: Em redações pequenas, costuma faltar clareza sobre papéis e responsabilidades. A IA ajuda a criar uma visão inicial rápida, para que o time possa partir de uma estrutura organizada para validação.
Etapa 1: imersão e pesquisa (apurar do produto)
Aqui, a IA se torna uma aliada especialmente importante porque grande parte dessa etapa envolve coleta, organização e síntese de informações.
1. Desk research
Como a IA apoia
Gera resumos de relatórios e apoia em pesquisas públicas, que sempre devem ser validadas por humanos
Identifica padrões, tendências e temas recorrentes
Cria tabelas comparativas e sínteses para validação
Por que é útil: reduz drasticamente o tempo de leitura inicial, liberando energia para a interpretação profunda, a parte que só o jornalismo pode fazer.
2. Matriz CSD (Certezas, Suposições, Dúvidas)
Como a IA apoia
Reorganiza dados brutos em categorias C-S-D
Aponta inconsistências ou lacunas
Ajuda a transformar suposições em perguntas de pesquisa
Por que é útil: a matriz CSD costuma travar times sem prática em produto. A IA ajuda a estruturar o pensamento, mas é o time que decide o que é fato e o que ainda é suposição.
3. Entrevistas com usuários
Como a IA apoia
Transcreve entrevistas
Organiza e agrupa falas por temas
Cria sínteses iniciais por tópico, dor ou oportunidade
Ajuda a identificar padrões de comportamento
Cuidados: a análise inicial da IA poupa tempo na geração inicial de insights. Porém é importante lembrar que ela não interpreta emoção, contexto cultural ou nuances editoriais.
4. Personas
Como a IA apoia
Transforma dados de entrevistas/banco de dados e pesquisas em rascunhos de personas a serem validados
Gera versões alternativas para comparação
Ajuda a validar se a persona é consistente
Cuidados: como sabemos, a IA tem vieses que podem aparecer na hora de criar padrões de comportamento e sugestões de personas. Por isso, deve-se considerar a versão inicial da inteligência artificial como algo a ser lapidado e corrigido pelo olhar humano.
Etapa 2: transformar insights em oportunidades (definir)
1. Matriz Esforço vs. Impacto
Como a IA apoia
Ajuda a estimar esforço técnico ou editorial com base em experiências similares
Gera visualizações rápidas
Sugere critérios de priorização
Por que é útil: priorizar com clareza é o passo mais importante para não desperdiçar energia. A IA entra como uma sugestão inicial a ser validada com a equipe, que é quem de fato vai desenvolver a solução.
2. HMW — How Might We
Como a IA apoia
Ajuda a converter dores em perguntas “como podemos…”
Gera múltiplas versões para discussão do time
Ajuda a destravar a visão criativa
Por que é útil: a IA, mais uma vez, atua como ponto de partida para decisões.
Um exemplo prático: ao constatar que a seguinte hipótese é verdadeira,“Os leitores não conseguem acompanhar notícias longas no celular”, a IA consegue destrinchá-la em perguntas para serem discutidas em equipe:
“Como podemos aumentar a compreensão em telas pequenas?”
“Como podemos adaptar longform para consumo fragmentado?”
“Como podemos reduzir fricção na leitura mobile?”
3. Proposta de valor
Como a IA apoia
Gera versões iniciais
Ajuda a comparar mensagens
Resume argumentos
Cuidados: aqui vale lembrar que a essência editorial é humana. A IA não decide o propósito do produto, apenas ajuda a articulá-lo.
Etapa 3: ideação (produzir)
1. Brainstorming estruturado
Como a IA apoia
Gera listas iniciais de possibilidades
Amplia repertório
Cria analogias com outros setores
Por que é útil: a IA serve para destravar o processo e dar o pontapé inicial na discussão das equipes, principalmente para aquelas que não têm tanta experiência com desenvolvimento de produtos.
2. Categorização
Como a IA apoia
Organiza ideias em clusters temáticos
Agrupa conceitos
Sugere relações que o time pode avaliar
Por que é útil: proporciona uma visão inicial mais clara, mais rápida e menos caótica.
Agora, chegamos a outro momento do processo de ideação em que é necessário fazer uma priorização e decisão da solução. Neste momento, a IA pode ajudar com:
1. Matriz ICE
Como a IA apoia
Gera estimativas iniciais de Impacto, Confiança e Esforço
Por que é útil: times pequenos podem subestimar esforço e impacto na hora de realizar as atividades de desenvolvimento. A IA atua, mais uma vez, como um primeiro passo nas estimativas a serem refletidas pelo grupo.
2. MVP
Como a IA apoia
Faz sugestões sobre “o mínimo que precisa existir” para que a solução funcione
Pode ajudar na criação de fluxos e jornadas do usuário
Sugere caminhos de simplificação
Cuidados: ao usar a IA para pensar sobre o MVP de uma solução, é necessário afinar ao máximo o prompt que será utilizado, para que a ferramenta entenda da melhor maneira o contexto com o qual se está trabalhando. Por isso, é relevante adicionar o máximo de informações possíveis, da maneira mais organizada que você conseguir.
3. Definição de métricas
Como a IA apoia
Sugere métricas específicas para o tipo de produto
Traduz métricas complexas em explicações compreensíveis
Por que é útil: a criação de métricas é uma parte essencial no processo de desenvolvimento de produto por cria os parâmetros para o acompanhamento da solução. Sem métricas bem definidas e metas factíveis, não é possível entender se o produto está dando certo (seja qual for o seu contexto) ou não.
Sabemos que no contexto das redações independentes, muitos veículos não trabalham diretamente com OKRs e KPIs. Nesse sentido, a IA pode atuar como um gerador de sugestões para um primeiro passo na mudança cultural da organização.
Etapa 4: prototipar, testar e validar (editar e distribuir)
Aqui entra uma das partes em que a IA mais acelera o processo de desenvolvimento de produto.
1. Prototipação
Como a IA apoia
Criação de wireframes
Idealização de fluxos de telas
Rascunhos de interfaces
Exemplos de possíveis caminhos editoriais
Simulações do produto em uso
Cuidados: isso tudo deve ser feito apenas no ambiente de teste. O julgamento final ainda deve ser humano e nada deve tornar-se público sem o aval da equipe.
2. Testes de usabilidade
Como a IA apoia
Analisa transcrições
Agrupa feedback por temas
Ajuda a identificar padrões
Sugere hipóteses de melhoria
Por que é útil: assim como na pesquisa com usuário, a IA poupa o tempo inicial na geração de insights dos testes de usabilidade e ajuda a equipe a entender quais são os pontos de atenção para melhoria da solução.

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